Copyright 2000 by Soraya Raposo Cavalcanti
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação
e Classificação da Biblioteca Central da UFV
Mergulho no ser; medo e autoconhecimento a partir da
vida do profeta Jonas /Soraya Raposo Cavalcanti. —Viçosa : Ultimato, 2000.
1. Jonas, Profeta - Crítica e interpretação. 2. Profetas -
Crítica e interpretação. I. Título.
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terapeuta brilhante, presenteada pelo Pai com o preciosodom de acender luzes, dar sinais e devolver esperanças.
tendo um dia se desviado de seu destino, encontram-sena escuridade do oceano da vida e desejam calar a vozque lhes diz “de onde vêm?” e saber “para onde vão”.
Nunca realizamos um trabalho sozinhos. Por isso, sou
grata a todas as pessoas que compartilharam comigo suasexperiências de “fundo do oceano” e suas aventuras embusca de si mesmas, dando-me condições de refletir eescrever sobre este tema.
À Sônia Regina Barreto, amiga tão chegada quanto um
irmão, a quem escolhi para escrever o capítulo sobreintimidade. Quem a conhece bem sabe que é impossívelpassar por sua vida e não sentir-se inspirado a estar maisperto daquele que é e a faz ser esta mulher valente,delicada e apaixonada pelo mais incrível projeto de Deus— o ser humano.
À Primeira Igreja Batista de São Gonçalo, por sua visão
terapêutica, na pessoa admirável do querido pastor, amigo econselheiro Mauro Israel Moreira.
Ao pastor e professor Henrique Alves, pelas tardes de
segunda-feira — para lá de nobres — , em que eu era ávidaaprendiz de sua sapiência indescritível.
Ao amigo, poeta e músico Cassio Fernando, por suas
“notas” sensíveis e precisas neste trabalho.
Às professoras Raquel Bittencourt Cavalcanti e Talita da
Costa Lessa, pelas importantes sugestões na correção dotexto.
Ao amigo José Luiz Corrêa da Silva, pelo constante e
Aos professores Jhonny Alves e Elisabeth Andrade Costa,
das Faculdades Integradas Maria Thereza, que tiveram aincrível paciência de ler os rascunhos e opinarcarinhosamente, num período de “olho do furacão” — finalde semestre letivo.
A Valdir Steuernagel, Osmar Ludovico, Ricardo Barbosa
e Ricardo Gondim, nossos coordenadores no ProjetoGrão de Mostarda, que têm nos desafiado a amarmosirremediavelmente mais às pessoas do que às “aboboreiras”.
E, finalmente, àqueles que integram a parte mais valiosa
do meu patrimônio pessoal: meus irmãos, Rogério,Gustavo, Walério, Adriano e Gláucia, e meus pais, Bey, quejá partiu para o encontro com Aquele que é e o fez ser umpaizão, e Eunice, que vive pela graça daquele que é e a fazser uma mulher que nos desafia a sermos maiores do queas provas da vida.
9. ROMPER PARA TORNAR-SE UM SER AUTÊNTICO . 73
Uma feliz combinação — um texto de uma autora nova
e uma tradicional casa editora — possibilitou-nos aprofunda e agradável surpresa deste livro admirável.
Tenho o privilégio de conhecer tanto a Soraya como
a Ultimato e tenho acompanhado suas trajetórias nestesúltimos anos, com gratidão e admiração. A Soraya, por suasensibilidade e coragem, e a Ultimato, por sua coerência eperseverança. Sinto-me feliz em escrever este prefácio.
A fé cristã é baseada em uma história documentada, com
verdades definidas que se contrapõem aos mitos pagãos eàs religiões de mistério. Por isso somos, muitas vezes,tentados ao racionalismo, ao academicismo e, maisrecentemente, a um pragmatismo de resultados.
No entanto, Mergulho no Ser faz o caminho que
sempre busquei e prezei, resgatando a intuição e aimaginação na leitura bíblica, permitindo que o poderdas palavras do texto sagrado ressoe com toda forçapara dentro da nossa experiência humana, tocando emprofundidade os conteúdos existenciais e emocionais denossa vida.
Não é fácil. Temos a tendência de preferir permanecer na
superfície ou buscar pessoas que nos ajudem com soluçõesmágicas, ou permanecer anestesiados e distraídos no ativismo. Este livro, no entanto, nos convida ao caminho inverso — ummergulho no ser a fim de olhar amorosamente para nossosmedos e experimentar, tal qual Jonas, a doce e terna mão deDeus nos conduzindo para uma experiência de cura erestauração.
Soraya nos propõe, a partir do livro de Jonas, uma renovada
maneira de ler a Bíblia, baseada na tradição da Lectio Divina. Um livro para se ler na perspectiva desta tradição espiritual,ou seja, mais com o coração do que com a mente. Ler a partirde uma atitude quieta e recolhida, vagarosamente, até queuma frase ou uma idéia nos toque. Daí parar e ouvir a voz doEspírito por meio de nossos pensamentos e imaginação, epermitir que Ele nos conduza a uma experiência de oraçãodo coração, de de-cisão e de ação transformadora.
Estamos em um novo mundo. Um mundo que derrubou
as fronteiras entre a cultura e a tecnologia, e que fezsurgir a manipulação genética. O presente é reverenciadoe cultuado por seus avanços. O passado se degenerou,
já não nos serve mais, e o futuro é encarado como umafonte potencial de perda e incerteza — queremos tudoimediatamente. Vivemos submetidos ao imperativo da urgênciado possuir e do realizar.
As leis da globalização afirmam que já não precisamos das
nossas referências íntimas, nem tampouco das da cultura local. Já não pertencemos a nada, nem a ninguém. Somos, no piorsentido, transitórios. O indivíduo apenas fica — com alguémcom alguma idéia em algum partido em alguma igreja emalgum lugar. Não precisa de ideologias nem metas, é apenasfísico. O ser pós-moderno é intangível. Ao que tudo indica,ainda não atingiu em aspectos vitais a modernidade e,pretensamente, já se considera pós-moderno.1
Neste novo milênio, os ideais de transformar o mundo e
de tranformar-se individualmente estão meio intrincados. Para
muitas gerações, viver significou entregar-se a um projeto deconstrução e transformação, de busca de um mundo melhore de uma vida pessoal mais significativa. Hoje, esta idéia vemsendo sutilmente substituída pela ideologia do bem-estar — atirania do gozo, a ditadura da felicidade. A palavra de ordemdo momento é otimização. As perguntas “De onde vim?”,“Por que estou aqui?”, “Qual o sentido para a vida?” vêmsendo substituídas por: “Como otimizar o gozo de minhaexistência pessoal?”
Estamos no apogeu do hedonismo, no auge da descartabi-
lidade — dos relacionamentos à religião. O evangelho temadquirido contornos terrivelmente humanísticos.2 Bastaobservarmos a natureza de nossos testemunhos, quegeralmente expressam o que Deus faz por nós, e não em nós.
Vivemos para alcançar aquilo que desejamos. A felicidade
está num carro, num par de tênis, pelo que chega-se a matar. Mata-se, é claro, não pelo carro ou pelo tênis, mas pelo bemsimbólico de uma cultura, que se tenta desesperadamentealcançar. Corremos atrás de um nivelamento ditado pelaglobalização dos costumes, dos sentimentos, das crenças, dasexperiências sobrenaturais, da hegemonia da branquidade3,do padrão anoréxico4 de beleza física.
Estamos perplexos diante da inevitabilidade deste tempo
— tempo de tudo. Tempo de disneyzação5 da cultura infantil. Tempo de relativização das leis absolutas. Tempo dedesconstrução de conceitos. Tempo de pluralização, deprivatização e de secularização. Tempo de discursos — oraopressores, ora infantilizantes. Tempo de maquiar mentirascom cores da verdade. Tempo de banalização do sagrado. Tempo de embriaguez religiosa6 e overdoses sensoriais. Buscaneurótica do poder de Deus. Tempo de economia de afeto. Tempo de paixões cibernéticas e relações virtuais. Tempo deviver on line — afinal quem suporta a realidade off line?Tempo de Química da Felicidade7: de cloridrato de fluoxetina,de recaptação da serotonina. Tempo de Prozac, Cipranil e Celexa. Tempo de bem-estar químico. Tempo de tudo. Tempo estranho.
Na pós-modernidade, percebe-se uma crise paradigmática.
Vivemos crises sem precedentes — social, familiar, moral, ética,educacional. Já não sabemos o que é certo ou errado, normalou patológico. A crise se evidencia principalmente na perdados valores individuais e familiares e na falta de rumo daeducação, que se deixou corromper pela ideologia capitalista. A educação está nas mãos de indivíduos cuja mentalidaderodopia e cai na lógica pós-moderna do “Como vamos fazer?”Uma mentalidade frágil demais para enfrentar os desafios destetempo. A pergunta deveria ser: “Quem devo ser?”
Ainda na dimensão educacional, há que se perguntar: qual
a escola e o currículo viáveis para este tempo? Sim, pois parao homem-mercado o que importa não é o caráter, mas a garra,a competência técnica, a agressividade profissional. A exigênciado caráter diluiu-se na necessidade do bem-estar. Suaprioridade é a felicidade. Para o homem-mercado, quanto valeou para que serve o conhecimento existencial? Quanto vale opreparar-se para a vida? Quanto vale o caráter, a verdade?Quanto valem as metáforas e as metonímias? Quanto vale ador, a hiperestesia do poeta? Quanto vale o segredo de umarima que casa amor com dor? Quanto vale o ensino, um parde tênis, um adolescente dividido entre o “quero”, o “posso”e o “mas não devo”? Quanto vale uma vida?
Nosso tempo é de profundas instabilidades. Tempo de
tristeza coletiva, disfarçada em euforias superficiais. No campoprofissional, carteira assinada é coisa do passado. Hoje, oscontratos são temporais. Tudo dura muito pouco. O alto índicede depressão denuncia o momento dramático do ser humano. A supervalorização do objeto em detrimento do sujeito acelerouo crescimento das clínicas especializadas em tratamentodepressivo.
No âmbito evangélico, percebemos que os modelos de
espiritualidade e de liderança ou são superficiais ou, se têmprofundidade, nem por isso têm dado certo. E a ansiedade deconstruir um novo modelo tem nos levado à insegurança. Mas temos de compreender que toda mudança de paradigmas
requer estabelecimento de parâmetros. E quais serão osparâmetros de referência para nosso modelo de espiritualidadee de liderança cristã? Que seja a própria necessidade derelacionamento existente na estrutura humana. Temos de optarentre dois paradigmas: o que aponta para o modelo demercado — neoliberal e globalizado — ou o que aponta parao exemplo de Jesus — da aproximação, dos olhos nos olhos,da amizade desinteressada, de relacionamentos significativos,de uma percepção mais real do mundo, de nós mesmos e danossa vocação.
Estas questões, entre tantas mais, nos motivaram a escrever
sobre o profeta Jonas. O livro de Jonas desperta nossoimaginário, pois a sua história é uma oportunidade de nosinterrogarmos sobre nossa missão, nossa vocação. Sobre oque cada um de nós tem de particular e único. Leva-nos ainterrogarmos o que temos de fazer nesta vida, que ninguémpode fazer em nosso lugar.
É uma oportunidade de auto-exame. É uma oportunidade
de nos interrogarmos sobre aqueles medos que assombram anossa alma — medo de nos conhecer, de nos entregar e sermosíntimos, de amar e nos decepcionar, da partida e da saudadeque fica latejando dentro do peito, de ser brutalmente ferido,de ter de perdoar o que parece imperdoável.
Cada um de nós tem uma maneira única e insubstituível
de encarar a vida, de usar a inteligência, a vocação e de amar. Trata-se, então, de nos interrogarmos sobre o nosso modoúnico de ser. Isto não é tão simples porque, às vezes,assumimos como nosso desejo aquilo que, na realidade, é odesejo de nossos pais ou da sociedade, que nos influenciamde diversas formas.
Este livro aborda a vida do profeta Jonas e nos convida a
escutar em nós mesmos um desejo mais profundo do quetodos estes desejos que foram projetados em nós. Se nãofizermos isso, teremos problemas não somente com nósmesmos, mas com o outro. A negação da missão principal deJonas provoca tempestades, turbilhões, vazios existenciaisquase intransponíveis.
Por isso, gostaria de convidá-lo a algumas simples, porém
significativas reflexões sobre a necessidade do auto-conhecimento.
Onde você estiver agora, procure aquietar-se, desacelerar
as batidas do seu coração. Acomode-se. Silencie seus barulhosinteriores. Pare um instante. Ouça o que talvez você mesmotenha a se dizer já há algum tempo.
Ler a história de Jonas é fazer uma incursão no mais
profundo dos oceanos — nosso próprio ser. Você terá a belaoportunidade de descobrir que a história de Jonas não falasomente à nossa razão, ao mundo das explicações lógicas ecartesianas, mas principalmente ao nosso coração, aos nossossentidos, por meio de imagens e símbolos.
Jonas é, pois, um livro que nos faz pensar e sonhar. Pensar
e, talvez, até mesmo chorar pelo que somos, e então, sonharcom o que poderemos vir a ser.
1 Sugiro a leitura de: 1) GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia paraentender a filosofia do nosso tempo. Trad. Antivam Guimarães Mendes.
São Paulo: Vida Nova, 1997. 2) ANDERSOM, Perry. As origens da pós-modernidade. Jorge Zahar Editor. 3) HALL, Stuart. A identidade cultural napós-modernidade. Rio de Janeiro: DPeA, 2001.
2 Para um aprofundamento desta questão, sugiro a leitura de: GONDIM,
Ricardo. Os perigos e os desafios da igreja na pós-modernidade. São
3 Este termo é uma tradução da palavra whiteness e encontra-se no artigo
do professor Michael W. Aplle. In: COSTA, Mariza Vorraber. org. Escolabásica na virada do século; cultura, política e currículo.São Paulo:
4 Padrão de beleza que exige da mulher a magreza de uma manequim e
que pode levá-la à anorexia, doença grave caracterizada por perda de
apetite e, conseqüentemente, de peso.
5 MOREIRA, Antonio F. Territórios conquistados e reflexões de viagens.
6 HOUSTON, James. A fome da alma. São Paulo: Abba Press, 2000. 7 Artigo publicado no jornal O Globo de 25/06/2000, em que os médicos
alertam para os riscos das drogas que produzem bem-estar químico.
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