o rio grande do norte precisa fazer justiça a seus indígenas
Indígenas do Rio Grande do Norte: uma longa história de
Durante parte dos séculos XVII e XVIII aconteceu no RN, uma das maiores
resistências indígenas do país que recebeu o nome de “Guerra dos Bárbaros”, ou Guerra do
Açu, por ter sido o seu epicentro a região do Açu e que depois se expandiu por vários
estados do nordeste. Por mais de quarenta anos, diversas lideranças indígenas lutaram pela
terra, investindo contra o avanço colonial. Seus heróis anônimos: Janduí, Canindé, Antônio
Paraupaba, Pedro Poti entre outros, não são lembrados, nem agraciados em sua bravura
pelos livros de história. Os “negros da terra” (denominação utilizada pelos lusitanos para se
referirem aos nativos aqui encontrados) passaram por um longo processo de miscigenação
que fora imposto pelo rei de Portugal como forma estratégica de desocupação da terra e de
limpeza étnica. A concepção era a de que não sendo mais “índios puros”, não tinham mais
direitos às terras originais, sendo estas colocadas à disposição do projeto de expansão
Aliados a todo esse avanço dos empreendimentos da Colônia e ocupação territorial,
a dispersão e o confinamento dos diferentes grupos indígenas pelos aldeamentos
missionários faziam parte de planos estratégicos de desocupação definitiva do espaço
nativo na região, pois “limpando” a presença indígena dos antigos territórios, havia motivos
suficientes para se justificar e decretar a extinção e o desaparecimento indígena. A partir do
século XIX, com a criação da Lei de Terras, a situação se agravou e definitivamente não
haveria mais lugar para o índio do Rio Grande do Norte. A sina que se tornou constante: as
migrações, as fugas da escravidão, as perseguições. Negar as origens, através do
ocultamento e da “invisibilidade”, tornou-se uma defesa, a sobrevivência mínima arantida a
custa do silêncio imposto. Dessa forma, a assertiva de que os “índios do RN
desapareceram” ou que “foram extintos” encontrou sustentação político-ideológica e
viabilizou o processo sistemático da tomada de terras no Estado, mais presentemente pelo
Outros grandes aliados nesse processo de ocupação fundiária foram os censos
oficiais que, ao longo de décadas, transformaram o indígena em “pardo”, ou seja, de acordo
a concepção que vigorou ( e que ainda vigora) é a de que esta categoria abarca os mestiços
em geral, portanto, não havia mais indígenas, apenas “resquícios” de índios. Este era um
aval indispensável para “varrer” definitivamente do mapa, a presença indígena. Esse tipo de
estratégia política ganhou vigor através de ideologias elitistas e positivistas da época, e que
lamentavelmente ainda hoje, encontram eco em nossa sociedade atual. A exemplo das
escolas que utilizam material didático acrítico com relação ao assunto,os docentes estão
despreparados, desinformados, desatualizados com relação ao tema, resumindo-se a
apresentar a seus alunos histórias quinhentistas/seiscentistas ou no máximo, ensaiam
comemorações folclóricas no dia do índio. Muitas cabeças que deveriam ser pensantes
continuam enclausuradas no berço esplêndido da mesmice evolucionista. Os desafios não
são o seu forte, e isso muitas vezes impede de se ter uma visualização da resistência de
grupos , os quais apesar das hostilizações advindas da sociedade circundante continuaram a
existir, embora transformados e adaptados a novas realidades de natureza política, social e
Muitos grupos rurais contemporâneos se deslocaram dos antigos aldeamentos que se
transformaram em vilas no RN, como também migraram, fugindo da escravidão imposta
pelo colonizador. Algumas comunidades rurais investigadas até o momento, nos informam
através da oralidade, sobre esses acontecimentos. Referências bibliográficas locais, muitas
vezes corroboram a as narrativas desses grupos e indivíduos entrevistados. No entanto, só
por meio de uma dinâmica que direcione os estudos a um ponto de partida que considere as
transformações desses grupos sociais em questão, é que se tornarão possíveis certas
visualizações que de forma alguma poderão ser concebidas pelo método
No Rio Grande do Norte, inúmeras comunidades rurais demonstram, através dos
anciãos, uma memória genealógica indígena e muitas vezes, uma identidade
diferenciada(ligada aos antecessores indígenas) e expressa sem receios. Os mais velhos, em
sua maioria, guardam um repertório de memória do grupo e de história de vida. Narram
sobre a origem, os costumes, a história e seus próprios mitos a exemplo da Mãe D´Água, de
Dona Fulozinha, entre outros seres encantados que “guardam” a natureza. Percebemos que
a história da “avó/bisavó índia ou a Tapuia pega a casco de cavalo” é muito recorrente
pelos sertões do RN, bem como nos interiores do nordeste brasileiro. Os mais velhos
sobretudo, afirmam-se como “caboclo brabo”, “tapuio”, que tem “ sangue de índio”, entre
outras adjetivações e expressões que os remetem às origens desses antecessores.
Esse é o desafio: questionar a validade única e incontestável das “versões oficiais” e
lançar mão dos avanços em estudos que relativizam o saber, ouvindo o “outro” que, por sua
vez, passa a contar sua própria versão e a se revelar como sujeito histórico, desafiando as
verdades absolutas, proferindo voz própria, a qual foi interditada e abafada pelos discursos
hegemônicos por séculos e que agora flui como num desabafo, nos permitindo pensar sobre
e-mail: filhosol@digi.com.br
*Pesquisadora do Museu Câmara Cascudo e Departamento de Antropologia
da UFRN e Mestranda de Antropologia Cultural da UFPE.
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